O ruim de ser mulher


Escutem-me. Eu lhes contarei toda a verdade sobre a vida das mulheres e do seu amor pelos homens. Não fujam de mim, não sou louca apenas estou querendo compartilhar um segredo para que se torne público.

Nunca gostei muito de ser mulher.

Eu sei que pode parecer estranho, mas não sei mais o que fazer com essa ausência da tendência natural à feminilidade. Desde pequena eu queria a pipa ao invés da boneca, isso porque as pipas me tornavam livre, viva, infantil. Já as bonecas... ah, as bonecas eram tão chatas, não faziam nada! Enquanto que os papagaios de papel me puxavam para o céu e mostravam-me toda aquela abóbada celeste me esperando.

Confesso, sempre fui uma menina moleca e creio que nem preciso citar as bolinhas de gude, ioiôs, rodas de capoeira e os braços quebrados que eu nunca me neguei a ter.

A verdade é que ser mulher é injusto, pois é muito e muito pouco ao mesmo tempo.

A começar pelo fato de que mulheres estão fadadas a doar todo o amor e carinho do mundo. E, poxa vida, é muito cansativo e fastidioso isso. A fêmea da espécie humana é a mais afetada pelo desrespeito à natureza. E, sendo uma mulher, aderi à campanha de Luís Fernando Veríssimo: ‘Salvem as Mulheres!’, para que os exemplares que restam e ainda valem alguma coisa sejam preservados, até porque os tipos de mulheres que os homens têm preferido ultimamente não passam de meros objetos de decoração. No entanto, quando se cansarem de colecionar bibelôs e forem procurar mulheres de verdade, estas estarão em extinção.

Ao mesmo tempo, ser mulher para os homens é sinônimo de: amá-los, alimentá-los, cuidá-los e dedicar-se a eles com todo esse amor propositalmente para lhes envenenar o corpo a ponto de destruí-los – no caso de um amor apaixonado que os aturdirá com um êxtase idiota.

Impossível?
Muito possível, meus caros.

Difícil de entender?
É a parte fácil ainda!

E não fujam da leitura. Esperem! Eu prometo que não irei chorar as mágoas de uma história de amor que não deu certo.

Eu quero que entendam o doce desespero do primeiro amor, a adolescente excitação animal e a instabilidade ansiosa de uma jovem fêmea. Além disso, quero que sintam o tempo aqui. Como o tempo é um carrasco e transformam homem e mulher em um só – em cima da cama, dentro da rede, sobre o tapete ou na pia da cozinha. O fato é que o tempo que se leva para ser mulher é tão grande e tão mísero perto do pouco tempo que se tem para se tornar apenas uma amante de um grande amor ou de uma louca paixão.

Essa sim é a parte difícil.

A mulher tem ser uma eterna doce, meiga e gentil alma infantil para que seja amada. Deve ser também trabalhada como uma pintura, depilar braços, pernas e buços, além de se aguentar por, geralmente, uns cinco dias vazando feito uma pia quebrada com toda elegância e discrição. E creio que nem preciso mencionar o fato de ter que ser atraente, charmosa, encantadora, sedutora, fascinante... oh, esperem! São sinônimos. Enfim, é o conjunto que faz a obra ser prima. Por isso, não posso me esquecer do conteúdo! Isso, CON-TE-Ú-DO. Como uma coisa que pode estar cheia ou vazia. Substanciando a obra, o conteúdo é segredo para ser uma boa mulher, ou melhor, a mulher ideal, a “para casar”. Querem de nós um dom angelical, divino, com uma totalidade de qualidades e critérios para brincarmos de casinha desde a infância até o último dia de nossas vidas ou “até que a morte os separe”.

Pois é. Já podem parar se quiserem, pois eu já disse o que queria que soubessem. Porém, se decidirem continuar saibam que o fato de eu não gostar de ser mulher não se dá pelo motivo de ter queixa contra as mulheres. Não, não. Com o tempo, como eu bem disse nas linhas passadas, com o tempo as mulheres se revelam melhores pessoas que os homens, vocês verão – com o tempo – e terão de concordar comigo.

Agora já basta. Deixem-me voltar à vida de mulherzinha num mundo elegante e pobre de gênios loucos, de amantes que se odeiam, de artistas que morrem da sua arte, de políticos criminosos, de uma literatura que se perdeu entre romances adolescentes sem eira nem beira e contos astuciosos dos escritores que nos faz engolir besteiras e dizer que é genial. Tudo isso temperado com muito sexo, ideias complicadas que muitos não compreendem, mas acham incríveis, heróis que só salvam sua própria fortuna, fama e aparência. Até que tudo isso vire cinza. Então, deixem-me voltar ao mundo que me deram e que eu ajudo a construir dia após dia, me fazendo cada vez mais de mulherzinha cândida.

E eu sei o que você está pensando: “essa menina revoltada está querendo me persuadir com suas ideias tolas”. É eu sei, mas foi só um desabafo de um cérebro feminino, tal como é, um “mito”. E se você leu até aqui foi porque a leitura lhe agradou e você não conseguiu me abandonar. Lamento pela minha sedutora retórica feminina.

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