A arte do não amar...


Costumo dizer que a vida é maior prova de coragem pela qual passamos. Quem pela vida passa, fraco não é. Você que me lê agora, como se sente na sua jornada?

Há quem diga que a vida não vale a pena, já outros juram de pés juntos que ela é uma dádiva ou que é um estágio de evolução. Mas, independente do que se acredite, não há como negar que a vida é composta de momentos. Momentos em que acreditamos valer a pena e outros de desânimo, em que acreditamos não mais valer, momentos em que a vida nos presenteia com generosidade e outros em que ela retira com ardor tudo aquilo nos constrói, momentos em que reconhecemos um milagre, momentos em que nos enchemos de máculas e muitos momentos que não percebemos a grandeza deles em nossas vidas. Eu poderia passar meses descrevendo as possibilidades da vida de nos surpreender e, mesmo que passasse, não conseguia terminar esse projeto.

Não pensem que quero rechear esse texto com palavras comoventes, não. A leitura que proponho aos que pretendem continuar trata somente do que vi da vida e já adianto que não foi muita coisa, mas quem sabe consigo carregar quem estiver lendo para esse mundo estranho. Só espero que gostem, pois confesso que eu aprendi a gostar da vida, justamente quando desisti de amá-la.

Porque digo isso?

Ora essa! Como não dizer?

Já notaram que muitos acontecimentos em nossa vida se resumem à obrigações?
Durante toda a minha vida eu enxerguei o amor como algo obrigatório, mas utópico, muito difícil de se adquirir. E o amor se tornou um sonho distante. Até que eu descobri depois de anos que eu só amei a vida toda, liberdade é o amor na pura forma de ser, liberdade para agir, para pensar, para sentir, só assim se ama totalmente. Arriscar é um ato máximo de amor. Viver é o ato máximo de risco.

Percebi, então, que viver é correr riscos e que vivendo incondicionalmente eu amava. Percebi também que amar demais não dói, não machuca. Não se iluda se um alguém lhe disser que amar é perigoso, não tenha medo disso, ame, mas ame muito. Sentir medo também é bom. Não se iluda se alguém disser que é covardia, mesmo que seja, você tem o direito de ser medroso, pois ao sentirmos medo desafiamo-nos a agir com bravura ao longo da nossa jornada, os irresponsáveis sempre falam de quem se amedronta porque o maior temor deles é a debilidade, devemos compreende-los e amá-los em sua dificuldade.

De fato, a vida nos traz algumas experiências encantadoras e outras experiências que nos deixam consternados. Cabe a cada ser humano, como dono de sua jornada, fazer a melhor escolha. E o que o seria a melhor escolha?

Eu me perguntei isso durante anos. O que escolher? O que seria o melhor para mim?
Desisti das respostas quando surgiram mais perguntas. E, depois de algumas outras vivências e de mais um longo período de muita reflexão, eu pude perceber que eu tinha o poder de decisão. Eu tenho um poder, mas não usava essa capacidade de modo adequado, na verdade, eu acredito que não usava de modo algum.

Foi quando dei por mim, estava penteando as minhas madeixas em frente ao espelho, não reconhecia aquela figura que me encarava refletida na charneira. Percebi o verde crescendo pelos meus cabelos, tomando conta da minha imagem. Eu era tão imatura. Vi no cristal memórias de um passado magnífico, lembranças boas que me atormentavam. E o espelho me dizia:

“Vês como és experimental? Tuas memórias ainda te aprisionam.".

Respondi ao espelho: "Elas fazem parte da minha vida.".

O espelho sorriu para mim e continuou: "Que tola... Já viste, por acaso, o dia reclamar do Sol que se pôs ou da lua que não surgiu no céu?".

"Isso acontece sempre. É normal. Teriam eles porquê de reclamar?" - Perguntei ao espelho.

"Observe: Então, por que reclamas tu de tuas recordações bonitas? Essas sempre existirão, já adianto a ti. Se escolherdes viver disso, jamais terá paz. Imagines menina verde que tristes seriam os dias quando o Sol não sorrisse ou quando a lua não prateasse lá no céu. Mesmo assim, quando não surgem nas alturas, as estrelas enfeitam a abóbada celeste com um véu de luzes, os pássaros dançam e cantam alegremente, a chuva cai e irriga o solo, que alimenta a terra e a faz florescer nos dias primaveris. Perceba que o dia não perde seu tempo reclamando do que não aconteceu, ele se permite existir. E tu? Pretendes existir ou viver constantemente lamentando-se do que já se foi?"

Deixei o espelho.

Ele ofendeu o meu orgulho.

Mas me questionei: Por que será que nos esquecemos das alegrias e fazemos com que o sofrimento dure mais do que o necessário?

O espelho me ensinou naquele dia que a lamentação é a desculpa perfeita para aqueles problemas que não conseguimos solucionar, para cada passo que não demos por falta de coragem, para as decisões que adiamos. Mas acima disso, até mesmo a lamentação, a mágoa, a amargura fazem parte da vida - como fazem parte também a alegria, a fome, e a vontade de sonhar. Não adianta fugir, porque são etapas da vida e terminam nos encontrando mais cedo ou mais tarde e sua única função é nos ensinar algo. Se aprendermos as lições que a vida impõe isso basta. Toquemos para frente. Por que nos castigar com memórias amargas, sofrer duas vezes, se quando podemos sofrer apenas uma?

Partindo dessas reflexões, me permiti escutar melhor o coração, que tem um dom único de perceber as coisas todas do universo, porque veio do cerne do mundo. Senti que esses pensamentos me enchiam de luz e o vazio passava, não sentia mais a utopia do amor. E, quando dei por mim, percebi que a cada momento em que me buscava nas minhas dúvidas, em que eu me questionava, mais próxima eu estava de Deus e da plenitude.
O primeiro bom sentimento que eu senti foi a falta de medo.
E cada vez que eu buscava pelo amor divino, mais me completava.
Aos olhos da eternidade eu pude sonhar coisas bonitas sempre que encarava o amanhecer. Divertia-me com os passarinhos, aprendi com eles uma lição maravilhosa que ninguém foi capaz de me ensinar até então; sempre que os observava, pensava no quanto eles eram superiores a mim, pois mesmo que eu tivesse muito mais do que eles, eles sim tinham liberdade, amavam a vida sem saber o que é amar e viviam sem se interpelar sobre a vida que levavam.
Experimentei, então, um pouco daquela plenitude toda que os pássaros me trouxeram. E, por fim, me tornei livre para não amar coisa alguma. No entanto, me descobri amando a vida simplesmente... sem pressa, sem medo, sem apego, sem sofrimento.

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