Um caso complicado



É isso mesmo.  Família é um caso complicado.
Não que eu fosse a mais indicada para falar de famílias, mas mesmo nas mais pudicas existe uma complicação. 
E toda vez que se refere a essa palavra, tão singela e carregada de complexidades, eu imagino a seguinte cena:
A mãe, candidamente, arrumando a mesa de natal com aquele pai, na sua austera figura paterna, todo zeloso mandando as crianças pararem de correr pela casa, enquanto que estas, esbaforidas que só vendo, sacodem as cabecinhas descabeladas em um gesto afirmativo e retornam com naturalidade aos seus brinquedos ou se dirigem ao jardim, para suas cambulhadas rotineiras, longe das vistas grossas dos adultos. E, mais tarde, chegariam os tios, os avós e os primos e os vizinhos também e, uma grande família estaria reunida.
Mas nem são assim os pais, como não são assim as crianças, nem a família, nem mesmo o natal.
Será que tudo se perdeu nas linhas da minha crônica familiar melindrosa ou será que fui eu que me perdi nas páginas da minha história vazia de vida, de pai, daquela mãe cândida, de família?
Não estou reclamando da família que tenho, ao contrário, se fosse diferente creio que seria mais oca que o vazio que me preenche.
Levantada essa questão, não procuro resposta alguma.
Acho que só me interpelo para evitar lamúrias constantes, que na minha tenra idade já escutei muitas vezes em casa. Gosto das questões. Elas me alertam do meu precipício. Assim como gosto dos problemas e obstáculos da minha vida, que, por si só, me afastam desse caminho sem volta.
Mas eu falava da família, não é mesmo?
Eu tentei, em vão, uma fuga desesperada do assunto que eu mesma propus, mas caí em mim, na minha família, no meu abismo, na minha voragem.
O que era para ser meu ponto de paz se tornou meu motivo de desespero. Minha vida sempre foi um tripé de base dupla, ou melhor, unívoca. Sempre me equilibrando em um malabarismo insuportável para não perder o controle, mas perdi as forças, caí por terra.
Onde estiveram os outros dois pés que faltavam, Anna?
Não sei.
Não sei.
Não sei.
Não sei sempre foi uma boa resposta. Aliás, sempre foi a minha única realidade.
Nunca soube o que eu queria ou o que era ou o que pensava.
O que sabia, então?
Não sei. Novamente não sabendo.
Consolo-me na minha ignorância. E prefiro não saber.
Portanto, de família nunca soube e nunca quis desenvolver minha sapiência.
Agora, se quero descobrir?
Não sei. Por que, vida? Por acaso, você gostaria de me mostrar?
Não sei, Anna. Você nem ao menos se decide se quer saber.

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